Arte Barroca de Cinzia Caiazzo. Público Comunicação Social. Porto, 2006, 430 págs. Mole
Atrás dela apareceu um anjo “muito belo, e com a face ardente”, que lhe trespassou o coração com uma seta de ouro e a deixou transida: “a doçura desta dor imensa é tão extrema que não é possível desejarmos que cesse, nem podem as nossas almas contentar-se senão em Deus”, Em Santa Maria della Vittoria, Bernini encenou o momento do êxtase de Santa Teresa de Ávila. Mais do que um grupo escultórico, trata-se de um momento de teatro, no qual o enquadramento, a luz e o movimento são cuidadosamente programados de modo a compelir o espectador, a fazê-lo partilhar da experiência mistica da santa – tal como os cardeals e doges que Bernini faz assistir à cena do alto de falsas varandas, os camarotes privados da família Coronaro.
A capela é um verdadeiro breviário do período a que se chamaria Barroco. O seu autor, Gianlorenzo Bernini foi o mais famoso artista da sua época: mesmo na longinqua Paris, não podia andar na rua sem que se juntasse uma multidão para o admirar. Arquitecto, escultor, dramaturgo e pintor, Bernini cuidava todos os aspectos de cada obra, imaginando-a não como objecto isolado, mas como parte de um todo. Esta concepção de “arte total” é tipica do periodo: em Versalhes, o jardineiro conta tanto como o arquitecto na montagem do palco para o esplendor do Rel-Sol, tal como na capela Coronaro, os frescos projectados por Bernini, e a janela oculta que ilumina a cena são essenciais para a experiência da dulcissima dor da santa.
Assim como o estilo do qual foi epitome, Bernini seria maldito no século seguinte: distorcido, excessivo, decadente, imperfeito e deformado. Os campanarios que projectou para a basilica de São Pedro foram arrasados, devido a falhas estruturais (pelas quais não parece ter sido responsável), e o seu nome dado como exemplo dessa degenerescência que predomina “no período de queda de todas as grandes artes”, como escrevia Nietzsche. De facto, o Barroco, como as pérolas barrocas que lhe emprestaram o nome, não é simétrico nem equilibrado. Abandonado o artificio cerebral do Maneirismo, os artistas concentram-se agora no dramatismo, preterindo o desenho em favor da luz e da cor, a simetria em favor do efeito sobre o espectador, que a contra-reforma e os reis absolutistas querem comovidos, recrutados pela arte. É arte da emoção – da de Teresa, “espiritual, embora o corpo tenha nela alguma parte, uma parte até considerável,” e da que experimentamos também com o corpo ao desfrutar do espectáculo carnal do seu êxtase.
10,00 €
Atrás dela apareceu um anjo “muito belo, e com a face ardente”, que lhe trespassou o coração com uma seta de ouro e a deixou transida: “a doçura desta dor imensa é tão extrema que não é possível desejarmos que cesse, nem podem as nossas almas contentar-se senão em Deus”, Em Santa Maria della Vittoria, Bernini encenou o momento do êxtase de Santa Teresa de Ávila. Mais do que um grupo escultórico, trata-se de um momento de teatro, no qual o enquadramento, a luz e o movimento são cuidadosamente programados de modo a compelir o espectador, a fazê-lo partilhar da experiência mistica da santa – tal como os cardeals e doges que Bernini faz assistir à cena do alto de falsas varandas, os camarotes privados da família Coronaro.
A capela é um verdadeiro breviário do período a que se chamaria Barroco. O seu autor, Gianlorenzo Bernini foi o mais famoso artista da sua época: mesmo na longinqua Paris, não podia andar na rua sem que se juntasse uma multidão para o admirar. Arquitecto, escultor, dramaturgo e pintor, Bernini cuidava todos os aspectos de cada obra, imaginando-a não como objecto isolado, mas como parte de um todo. Esta concepção de “arte total” é tipica do periodo: em Versalhes, o jardineiro conta tanto como o arquitecto na montagem do palco para o esplendor do Rel-Sol, tal como na capela Coronaro, os frescos projectados por Bernini, e a janela oculta que ilumina a cena são essenciais para a experiência da dulcissima dor da santa.
Assim como o estilo do qual foi epitome, Bernini seria maldito no século seguinte: distorcido, excessivo, decadente, imperfeito e deformado. Os campanarios que projectou para a basilica de São Pedro foram arrasados, devido a falhas estruturais (pelas quais não parece ter sido responsável), e o seu nome dado como exemplo dessa degenerescência que predomina “no período de queda de todas as grandes artes”, como escrevia Nietzsche. De facto, o Barroco, como as pérolas barrocas que lhe emprestaram o nome, não é simétrico nem equilibrado. Abandonado o artificio cerebral do Maneirismo, os artistas concentram-se agora no dramatismo, preterindo o desenho em favor da luz e da cor, a simetria em favor do efeito sobre o espectador, que a contra-reforma e os reis absolutistas querem comovidos, recrutados pela arte. É arte da emoção – da de Teresa, “espiritual, embora o corpo tenha nela alguma parte, uma parte até considerável,” e da que experimentamos também com o corpo ao desfrutar do espectáculo carnal do seu êxtase.
Arte Barroca de Cinzia Caiazzo. Público Comunicação Social. Porto, 2006, 430 págs. Mole
Atrás dela apareceu um anjo “muito belo, e com a face ardente”, que lhe trespassou o coração com uma seta de ouro e a deixou transida: “a doçura desta dor imensa é tão extrema que não é possível desejarmos que cesse, nem podem as nossas almas contentar-se senão em Deus”, Em Santa Maria della Vittoria, Bernini encenou o momento do êxtase de Santa Teresa de Ávila. Mais do que um grupo escultórico, trata-se de um momento de teatro, no qual o enquadramento, a luz e o movimento são cuidadosamente programados de modo a compelir o espectador, a fazê-lo partilhar da experiência mistica da santa – tal como os cardeals e doges que Bernini faz assistir à cena do alto de falsas varandas, os camarotes privados da família Coronaro.
A capela é um verdadeiro breviário do período a que se chamaria Barroco. O seu autor, Gianlorenzo Bernini foi o mais famoso artista da sua época: mesmo na longinqua Paris, não podia andar na rua sem que se juntasse uma multidão para o admirar. Arquitecto, escultor, dramaturgo e pintor, Bernini cuidava todos os aspectos de cada obra, imaginando-a não como objecto isolado, mas como parte de um todo. Esta concepção de “arte total” é tipica do periodo: em Versalhes, o jardineiro conta tanto como o arquitecto na montagem do palco para o esplendor do Rel-Sol, tal como na capela Coronaro, os frescos projectados por Bernini, e a janela oculta que ilumina a cena são essenciais para a experiência da dulcissima dor da santa.
Assim como o estilo do qual foi epitome, Bernini seria maldito no século seguinte: distorcido, excessivo, decadente, imperfeito e deformado. Os campanarios que projectou para a basilica de São Pedro foram arrasados, devido a falhas estruturais (pelas quais não parece ter sido responsável), e o seu nome dado como exemplo dessa degenerescência que predomina “no período de queda de todas as grandes artes”, como escrevia Nietzsche. De facto, o Barroco, como as pérolas barrocas que lhe emprestaram o nome, não é simétrico nem equilibrado. Abandonado o artificio cerebral do Maneirismo, os artistas concentram-se agora no dramatismo, preterindo o desenho em favor da luz e da cor, a simetria em favor do efeito sobre o espectador, que a contra-reforma e os reis absolutistas querem comovidos, recrutados pela arte. É arte da emoção – da de Teresa, “espiritual, embora o corpo tenha nela alguma parte, uma parte até considerável,” e da que experimentamos também com o corpo ao desfrutar do espectáculo carnal do seu êxtase.
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