Este trabalho vem perfazer o estudo do casal lisboeta dos nossos dias encetado com Mónica. Se os figurantes são de carne viva, o seu complexo se inscreve logicamente nas coordenadas da alma humana, se ajustam ao meio como a imagem ao caixilho, julgar-se-á agora com segurança. Ocioso dizer que a minha preocupação foi submetê-los à lei das 3 dimensões com objetividade, respeito pela sintaxe, em tudo o culto fervente do real. Porventura o Pio leitor se aperceba que andou com eles de braço dado, e então não será preciso ajuntar mais nada em seu abono. Bem entendido que não pretendo com semelhante suposição inculcá-los como símbolos de uma sociedade, para o caso mais furta-cores que burro a fugir. Mas com suas más e boas manhas tanto cívicas como domésticas, ainda porque neles confluem circunstâncias do ambiente nacional, que seria fato omitir, e não poucos traços, que se metem pelos olhos dentro, do Homem que vai a desaparecer, presumo que se possam classificar de bem constitutivos da sua época. Ricardo, Alvarenga, Bravo, Teodósio são o que são, o que estava inscrito na evolução etológica do povo português, não o que deveriam ser perante os postulados deste ou daquele credo, a minha simpatia ou a simpatia de quem quer que seja . Como processo, coube-me apenas o papel de cronista.
Sob o ponto de vista de arte, se fui buscá-los ao real com tão meticuloso escrúpulo, foi principalmente para contracenarem comigo – aqui o confesso – no “mistério” do envelhecer. Em semelhante teatro, o resto política ou moral, não passa de acessório. Tanto assim que as personagens vão, como Lusbel, para onde lhes puxa a raça. Sem tensões. O moderado entende-se à maravilha com o iconoclasta, o crente com o agnóstico, a digna criatura do senhor com o homem pessimista, que se comporta na existência como se houvesse caído a uma cova de serpentes. Onde eu entro como intérprete, mau intérprete, como não? da gesta subtil ou imprecisa, é quando o inexorável e fatídico Arcanjo da insatisfação, que reina nestas partes, induz a procurar o ótimo no descalabro do existente, a felicidade com desfolhar as ilusões às mãos ambas, o salvatério no depurativo do ferro e do fogo.
No domínio da temporalidade, honestamente advirto que o meu livro é de ontem. De ontem quando algo que se convencionou chamar clima, e quanto à atmosfera e tonus humano. A ação, com efeito, decorre de 1925 a 1929. São volvidos, pois, doze anos, a imensidade num tempo como o nosso que inventou asas para ir mais depressa. Portugal é outro; a grande maioria dos homens outros; os problemas outros. Mas com ser o panorama longínquo ganhei em à vontade não sendo admissível o receio do chocar ideias e pessoas. Os sucessos que surgiram a essa data na plana pública já nada tem que ver com o nosso querer como história pregressa que são. Varrê-los dali nem à mão de Deus Padre e, por conseguinte, entre vê-los assim ou assado, dado que com lisura e sem preconcebimento, não é senão caminho feito para serem diferidos à última instância do tribunal da razão.
Advertência de Aquilino Ribeiro in Arcanjo Negro de Aquilino Ribeiro. Círculo de Leitores. 1983
A censura proibiu, em 1940, o livro Arcanjo Negro de Aquilino Ribeiro, com a seguinte justificação: “Romance que foca o aspecto revolucionário da política portuguesa em 1927, ano em que eclodiu a revolução contra a Ditadura e que neste livro se descreve a traços largos, sem a condenar, antes pondo em evidência os seus mártires e os seus mentores. Parece-me cedo para o autor fazer a narração dos factos tão recentes e qeu são, porventura, as suas memórias, conhecida como é a sua actividade naquele movimento revolucionário.
Mais tarde, em 1947, a Censura autorizou a sua publicação “com cortes e substituições”.